EU... Eu, eu mesmo... Eu, cheia de todos os cansaços, Quantos o mundo pode dar. — Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeita? Incógnita? Divina? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu... (Fernando Pessoa)

19 de agosto de 2008

Ser bahiano é um estado de espírito...

Adoro caipirinha. Isto é: desde que (1) não seja de pinga, (2) não contenha limão e (3) venha sem açúcar.

Sim, sou completamente convertido à causa da caipiroska. Ou caipivodca, como dizem no Rio. Ou simplesmente "roska", como falam na Bahia. No meu caso, sempre sem açúcar. E com qualquer fruta que não seja limão.

Por vários motivos. Em primeiro lugar, porque pingas sérias merecem ser tomadas puras, como toda aguardente que tenha um nome a zelar.

Depois, porque a mistura de pinga com açúcar branco é letal para o fígado, a cabeça e, por que não, a alma. E finalmente, porque não faz sentido desdenhar todo o conteúdo do turbante de Carmem Miranda em favor da mesmice azeda do limão.

Minha conversão se deu há alguns anos, quando fui apresentado à caipiroska de lima-da-pérsia. Foi como ouvir João Gilberto pela primeira vez. Sim, a caipiroska de lima-da-pérsia está para a caipirinha tradicional assim como a bossa nova está para o sambão.

Desde então, tenho pesquisado e degustado caipiroskas com o entusiasmo e um rigor de enólogo. Ainda vou ser o Robert Parker da caipiroska. (Aguardem nas bancas: "The Caipiroska Spectator", com periodicidade bimestral, analisando safras de frutas e interações alimentares.)

O melhor de ser um analista de caipiroskas é que você não precisa ficar inventando imagens abstratas para explicar o que está degustando. Sem essa de bouquet de frutas silvestres, notas de carvalho ou retrogosto de chocolate. Se uma caipiroska de abacaxi não tiver gosto de vodka com abacaxi, trata-se de uma caipiroska de abacaxi incompetente ou fajuta.

A caipiroska de lima-da-pérsia (sem açúcar, please), por exemplo, é o champagne das caipiroskas. Seu sabor sutil e refinado combina com qualquer coisa que você sirva, do tira-gosto à sobremesa.

Comida indiana? Caipiroska de manga. Dulcíssima e inteiramente comestível, a caipiroska de manga é uma espécie assim de chutney líquido e poderosamente alcoólico. É a resposta que o mundo esperava à pergunta mais difícil da gastronomia: que bebida servir com curry? Ainda vou ser famoso por essa descoberta.

Pratos brasileiros fortes, acompanhados com farofa e pimenta? Ôpa: caipiroska de caju. Mas com a fruta de verdade, fazendo o favor. Caipiroska de caju em garrafa não tem a menor graça.

(Em Santo André, na Bahia, os cajus sofrem um congelamento relâmpago num freezer industrial, e podem virar caipiroskas de caju o ano inteiro.)

Sábado de sol? Iscas de peixe à milanesa à beira da piscina? Ou, simplesmente, síndrome de abstinência? Caipiroska de tangerina. Inocente, refrescante, ideal como primeira caipiroska do dia.

Pedir para o garçom recitar o menu de caipiroskas é uma das grandes alegrias em cartaz na Bahia. Você pergunta: "Tem roska de quê?". A resposta vem cheia de vírgulas e três pontinhos. Geralmente começa com "Kiwi, morango, uva...." -- porque são as frutas "exóticas" da região, cultivadas com orgulho no São Francisco.

Em seguida vêm as normais: "Abacaxi, lima, caju, manga, tangerina...". Tenha paciência, e logo aparecem as realmente diferentonas: "Cajá, sirigüela, carambola". Essas mais esquisitas costumam ser meio azedinhas, e por isso requerem açúcar. Eu recomendo as mais papai-mamãe.

Daí você escolhe: "Tangerina". E o garçom imediatamente grita com o barman: "Uma tangiroska!". Sim: a Bahia é tão caipiroskamente evoluída, que cada roska tem seu próprio nome sintético. Abacaxiroska. Cajurosca. Cajarosca. Kiwiroska. Sirigüeloska? Provavelmente.

Mas basta você tomar o rumo Norte para toda essa civilização caipiroskal evaporar. Em Alagoas ou Pernambuco, se você perguntar: "Tem caipiroska de quê?", é quase certo que a resposta seja: "De vodka".

A caipiroska é uma manifestação superior do talento nacional. Ensinar caipiroska nas escolas. Fazer um Telecurso Caipiroska para levar a técnica a todos os rincões do país.

Eu faço a minha parte. Toda vez que vejo um gringo se entupindo inavertidamente de caipirinhas tradicionais, eu pergunto: "Do you know roska?"

Ricardo Freire

Você já foi à Bahia?

Dorival Caymmi


Você já foi à Bahia, nêga?
Não? Então vá!
Quem vai ao Bonfim, minha nêga
Nunca mais quer voltar
Muita sorte teve
Muita sorte tem
Muita sorte terá
Você já foi à Bahia, nêga?
Não? Então vá!
Lá tem vatapá!
Então vá!
Lá tem caruru!
Então vá!
Lá tem mungunzá!
Então vá!
Se quiser sambar!
Então vá!
Nas sacadas dos sobrados
Da velha São Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do imperador
Tudo isso na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito
Que nenhuma terra tem.

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"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

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