EU... Eu, eu mesmo... Eu, cheia de todos os cansaços, Quantos o mundo pode dar. — Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeita? Incógnita? Divina? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu... (Fernando Pessoa)

20 de abril de 2009

Mulher má

Mulher má esta que traz na pele apenas vontade de ser inteira.Que se despe de vestes e de preconceitos e, como uma felina, caminha suavemente por entre as pedras da calçada. Não procura presas apenas mantém o olhar sempre firme no horizonte. Quando a vontade lhe saliva a boca joga as garras e de uma assentada ingere, lambe, sua e degusta. E segue o seu caminho. Bamboleando a traseira deixando no ar o rasto e o odor da vontade. Sem esforço não se cansa de caminhar, sempre ao mesmo ritmo. O rosto, imutável, mantém a cor e o traço, sem se lhe conseguir adivinhar o estado de espírito. Esta mulher má alimenta-se da ganância, da inveja e do ódio. Consome-os para assim os anular sem nunca se deixar consumir. Quanto mais há à sua volta mais vontade tem de comer adivinhando onde se escondem. Estes pecados tornam-se mortais para quem a seu redor se tenta aproximar. Num ápice as garras marcam a pele e o território. Quem lhe conquista a cúpula é quem, igual a si, vê que o horizonte não é o firmamento mas uma linha sem fim onde as utopias são reais e as presas são mais do que membros que caminham apinhados de rancor.

Madalena

Um dia


Haverá um dia em que as árvores nascerão nas estrelas
E a fruta irá colorir o céu de todas as cores
Esse será o dia em que Homem conseguiu inventar
As palavras que constroem a minha alma
Haverá um dia em que as nuvens nascerão
Nas esquinas das ruas empedradas
E em que a noite terá a maior das claridades
Esse será o dia em que te darei a minha mão
Que para sempre ficará aliada à tua
Haverá um dia em que suor dos corpos
Terá todos as cores do arco-íris
E os muros se transformarão em passadeiras
Esse será o momento em que tudo é pouco e nada é muito
Haverá um dia em que a Natureza mudará o curso dos rios
E os pulmões deixarão de respirar apenas ar
Esse será o dia em que no Universo nascerá um novo planeta
Aquele em que o Sol nunca se inundará no horizonte.

Madalena

17 de abril de 2009

...


A todos os ventos eu peço coragem.
A cada estrela e estrada
Ao mar que não morre nunca
eu peço coragem.
E ao sol e à lua
E a todo o firmamento.
A cada pássaro
A cada pedra
A cada bicho da terra e do ar
Peço coragem a tudo o que vive agora
E ainda viverá
Coragem para cavalgar os dias
Navegar nas horas

E a cada minuto e segundo sonhar...



André Cézar

7 de abril de 2009

Limiar entre Fantasia e Realidade

Limiar entre Fantasia e Realidade

By Vagalume_RD

Introdução

Sempre me considerei uma pessoa com personalidade forte, decidida e com o espírito de liderança. Nunca gostei que me dissessem o que fazer, preferindo na maior parte do tempo tomar a iniciativa, ser o pró-ativo do grupo, um agente de transformação.

Por isso, por muito tempo me intrigou o fato de eu me excitar sendo submisso e de ser atraído sexualmente pelos pés femininos, principalmente quando havia a relação entre pés e humilhação.

Como pode alguém com personalidade dominante na sociedade ser submisso sexualmente?

Esse questionamento me acompanhou silenciosamente por vários anos e com o tempo e o auto-conhecimento, me veio o insight de que, no meu caso, ser submisso sexualmente é como se eu tirasse uma folga de minhas responsabilidades diárias.

Ao dar o controle das decisões para uma outra pessoa, durante o ato sexual, contrastaria com a minha habitual forma de ser, e a meu ver, esse contraste de alguma forma seria o estopim do despertar da minha libido.

Ao mesmo tempo em que eu buscava uma resposta pelo caminho do contraste, eu separava muito bem o que era realidade de fantasia. Submissão para mim era vinculada ao ato sexual, se encaixava apenas no universo das fantasias, não fazendo parte da minha essência, que sempre foi libertária. Sempre gostei de fazer o que eu queria sem pedir autorização, de ter meu espaço aonde teria meus momentos de privacidade, e ao mesmo tempo, ser preso e dominado durante a relação sexual.

Por ver o BDSM como um tempero de uma relação, um desejo como tantos outros, uma forma de extravasar as tensões do dia a dia, uma fantasia bem separada da realidade, e o fato de isso ser tão óbvio para mim, me faz ficar intrigado com o fato de que nem todos pensam como eu, nem todos percebem o BDSM da mesma forma, sendo que em alguns casos há uma mixagem entre fantasia e realidade.

OWK

É este o tema central deste texto, e como sou fascinado pela Dominação Feminina, fui pesquisar a materialização do BDSM na vida real, lá no outro lado do mundo, no OWK, localizado no leste Europeu.

O OWK foi fundado por Patrícia de Gifford em 1 de Junho de 1996 e se baseia no princípio de que a Mulher é sempre, em qualquer lugar, e em tudo, superior ao homem.

O OWK é considerado uma verdadeira cidade governada por leis e regulamentos próprios, contendo a sua própria moeda, passaporte, policia penitenciária e justiça; tendo inclusive o direito de ter escravos reais.

Os homens são escravizados para cuidar dos jardins, cozinhar, limpezas domésticas e principalmente servir de diversão para Elas. O OWK fornece treinamentos de vários tipos, fazem encontros anuais com Dominadoras e seus escravos, comercializam vários filmes e recrutam homens para serem escravizados, com vários deveres, mas sem direito algum. E tudo isso é permitido legalmente pelo País que abriga o OWK.

Manual de como encontrar, treinar e educar um homem

O objetivo desse texto não é explicar como é a vida no OWK, mas sim trazer alguns pensamentos da fundadora e Rainha suprema do OWK chamada Patrícia de Gifford. Pretendo focar em como ela vê a superioridade feminina materializada no dia a dia, destruindo a fronteiras entre fantasia e realidade BDSM.

Através de pesquisas que fiz nos livros de Patrícia de Gifford tive acesso direto aos principais pensamentos desenvolvidos por ela, que se configura num verdadeiro manual de como encontrar, treinar e educar um homem; e com isso vem conseguindo silenciosamente propagar suas idéias pelo mundo afora. Semeando uma revolução silenciosa, gerando frutos, pois mesmo que a maioria dos mortais não consiga, nem queira atingir na prática suas revolucionárias idéias, Patrícia e o OWK servem para alimentar ainda mais as nossas fantasias.

Patrícia resume as suas idéias em algumas afirmações:

• Não mais limparei minha casa
• Não mais lavarei minhas roupas
• Não mais passarei meus vestidos
• Não mais ouvirei seus papos imbecis
• Sem mais abusos
• Não mais suplicarei por nada
• Não mais farei sexo sem vontade
• Não mais darei satisfação de onde eu vou e quando retornarei
• Não mais me esconderei com meus amantes, quando quiser tê-los.
• Não mais pedirei permissão para comprar nada
• Não mais terei problemas financeiros

Patrícia define como objetivo de seu treinamento, atingir três níveis de dominação, mas deixa claro que cada mulher tem que se decidir a que nível deseja chegar no treinamento de seu companheiro, dependendo do perfil de cada uma, e principalmente do perfil do seu parceiro. Nem todo homem consegue chegar ao segundo nível, muito menos ao terceiro. Segundo ela, é: “Totalmente sem sentido pensar que o treinamento poderá chegar facilmente ao último nível com um homem que falta ter em sua essência um masoquismo intrínseco... pode haver exceções, mas o esforço nesse caso é tão grande que deixa de ser interessante. Qualquer publicação baseada em escravidão total de um marido normal, sem a submissão inata, é pura ficção. Com um homem normal o limite é o nível 1, se conseguir chegar.”

Tipos de Masoquistas

Antes de prosseguirmos com os três níveis do treinamento, proposto por Patrícia de Gifford, pretendo esclarecer que masoquista para ela é um tipo de homem que se satisfaz sendo dominado por uma mulher, e que procura situações em que ele é humilhado e torturado pela Mulher. Mas existem várias categorias de masoquistas:

1) Masoquista Sonhador
É um homem com tendência intrínseca de submissão, mas limitado a desejos esporádicos e abstratos. Vive num mundo de fantasia, mas quando a realidade o atinge, pensa duas vezes e tenta fugir deste tipo de relação.

2) Masoquista Maníaco Sexual
É o homem que pensa que toda a sua submissão inicia e termina nos atos sexuais, desejando ser o dominante nos outros momentos da relação.

3) Masoquista Hedonista
O homem dessa categoria é influenciado por várias revistas e livros, que os fazem pensar que a dominação feminina sobre eles é limitada a torturas como pesos no saco, prendedores de mamilos, chicoteamento, amarração etc. Não tem idéia de que a dominação feminina envolve disciplina absoluta e trabalho árduo. Muitas vezes sentem desejo em buscar uma profissional do sexo pela facilidade e falta de compromisso na relação, satisfazendo seus desejos sem o compromisso com o vínculo e as práticas que envolvem a D/S.

4) Masoquista de 1 hora
É o tipo de homem que serve e obedece a mulher, mas sua devoção e total submissão se limitam ao tempo em que está excitado, com tesão. Quando gozam, sua tendência masoquista desaparece, pelo menos até o próximo momento de tesão.

5) Masoquista Natural
Esse é o tipo de masoquista mais adequado para passar pelo treinamento proposto por Patrícia. Esta categoria tem uma forte necessidade de ser escravizado por uma mulher e servi-la. Servir é a razão de sua existência e mais importante do que o seu próprio prazer sexual. Deseja se tornar um objeto, um pertence da mulher.


Definir esses tipos de masoquistas foi apenas uma forma de ilustração, sendo que existem em cada categoria níveis diferentes, podendo variar de intensidade. Um mesmo homem pode estar em mais de uma categoria.

Passemos agora aos três níveis de treinamento, proposto por Patrícia:

Nível 1 – Marido Dedicado

O marido dedicado é entendido como um homem tipicamente comandado pela mulher. Esse tipo de homem é obrigado a obedecer a sua mulher em tudo e seguir seu comando, podendo ser punido por ela através de xingamentos e tapas na cara. Este tipo de relação não é a típica relação Rainha x Escravo, pois nenhuma das partes tem interesse de seguir para este extremo. Portanto, atingir esta posição é uma pequena vitória para a mulher, já que assegura uma vida confortável e sem distúrbios para ela. Entretanto, seu conforto não se compara a atingida pelos níveis 2 ou 3.

Nível 2 – Marido Servo

O marido servo é uma criatura facilmente moldada que além de obedecer sua mulher é obrigado a realizar todas as suas fantasias. Entretanto há limites: evitar a humilhação pública e a quebra dos direitos humanos. Neste estágio de treinamento, o marido é punido pela sua Dona mais severamente, pelas suas pequenas falhas ou desobediência do que o do nível 1. Este nível pode ser atingido mesmo com um marido que não tenha uma natureza submissa explícita. Entretanto, para atingir isso, alguns treinamentos são necessários, principalmente o uso de chantagem, mas alguns limites nunca devem ser ultrapassados.

Nível 3 – Marido Escravo

O marido escravo é o produto supremo do casamento entre um homem submisso e uma mulher Dominadora. Se a mulher detectar um traço de masoquismo em seu marido deve imediatamente fazer todo o esforço para atingir este nível já que a total escravidão do homem é a situação mais benéfica para a mulher, segundo Patrícia.


Conclusão

Esse assunto está longe de se esgotar, pretendo no futuro detalhar cada um dos níveis acima, dar mais detalhes deles e algumas dicas de como atingir cada um. Meu objetivo maior neste texto foi mostrar que a separação entre realidade e fantasia no BDSM pode não ser tão óbvia como imaginávamos, não tão explícitas; e que existem pessoas que vivem o BDSM no seu dia a dia de forma plena. É importante compartilharmos idéias que nem sempre conferem com nossos anseios e fantasias, pois assim expandimos nossa consciência, nossa visão e entendimento de nós mesmos.


Bibliografia:

site:
http://www.owk.cz/index.htm

Livro:
The Training and Education of a Husband 1 - Patrícia de Gifford - Publicado por OWK

2 de abril de 2009

PRÁTICAS SEXUAIS DITAS “DESVIANTES”

PRÁTICAS SEXUAIS DITAS “DESVIANTES”:
PERVERSÃO OU DIREITO À DIFERENÇA?

in Revista Terapia Sexual - Clínica - Pesquisa e Aspectos Psicossocias, Vol. VI, 1, 34-52.
(Trabalho apresentado no 16th World Congress “Sexuality and Human Development: From Discourse to Action” 10-14 March, 2003 Havana, Cuba)

Autora: Maria Cristina Martins, Psicóloga Clínica e Especialista em Sexualidade Humana – Unicamp - Campinas – SP – BRASIL
E-mail: machriss@globo.com

Co-autor: Paulo Roberto Ceccarelli, Psicólogo, Psicanalista, Ph.D em Psicopatologia e Psicanálise por Paris VII, Paris – França; Professor do Dep. De Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – BRASIL
E-mail: pr@ceccarelli.psc.br


INTRODUÇÃO:

A Internet tornou-se mais um veiculo onde pessoas, de forma ocasional ou rotineira, podem desfrutar e realizar fantasias e desejos muitas vezes inconfessáveis e frustrados em seus relacionamentos amorosos e sexuais, de forma segura e anônima sem que suas identidades reais sejam reveladas. Da mesma forma, a Internet propicia oportunidades para que homens e mulheres, independente de orientação sexual, estado civil, idade e com distintas preferências sexuais, possam tornar concreto no mundo “real”, um contato iniciado e mantido através da comunicação on-line (Martins & Grassi, 2001). Partindo-se da premissa que a definição de “normalidade” é histórica e culturalmente construída, conceitos como “normal”, “saudável” e “patológico” estão sendo questionados por todos os profissionais que se interessam pelo estudo e compreensão da sexualidade humana. As inúmeras manifestações da sexualidade humana, assim como as mais variadas buscas de prazer, confirmam uma vez mais que no ser humano a sexualidade não está vinculada à procriação.

A dinâmica da sexualidade humana – o que leva um sujeito a ter a sexualidade que tem – vem sendo objeto de estudo desde a Antiguidade sem que um consenso tenha sido alcançado, o que têm levado à busca de novos paradigmas para compreender os comportamentos sexuais ditos “desviantes”. Uma das razões que dificulta a compreensão dos interesses sexuais não convencionais é que o paradigma sexual tradicional, baseado na psicologia, psiquiatria como também na opinião popular, assume que a procriação é a mais importante função biológica (Fog, 1992). A maioria dos dados coletados e estudados sobre comportamentos ditos “desviantes” foram baseados em casos considerados patológicos. Tais estudos foram feitos sob a ótica médica forense, ou tendo como referência pessoas que procuravam tratamento psiquiátrico e/ou psicológico por suas preferências sexuais “desviarem” do comportamento sexual “normal” (Ceccarelli, 2000). Este último entendido como o relacionamento sexual heterossexual, finalizado com a penetração genital e com o intuito de procriar. Certas práticas sexuais ditas “desviantes” como o Sadismo e o Masoquismo Sexual, como também o Fetichismo são categorizados como “parafilias” e comportamentos disfuncionais pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - 4a Edição (1995) da Associação Americana de Psiquiatria (APA) e pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde –10th Revisão (1999) da Organização Mundial da Saúde, o que tem gerado muitos debates em relação ao seu critério diagnóstico, com o qual muitos profissionais que se interessam pelo estudo das práticas sexuais “alternativas”, não concordam.

O objetivo do presente estudo é explorar a sexualidade humana nas suas mais diversas variações como o BDSM (Bondage/Disciplina, Dominação/Submissão, Sadismo/Masoquismo) ou SM, Fetichismo, através de um questionário on-line enviado à um grupo de pessoas que se descrevem como praticantes de BDSM e Fetichismo e que tem na Internet o seu referencial para a troca e procura de informações, assim como para a procura de parceiros que partilham das mesmas fantasias sexuais.

Este estudo não tem a intenção de incentivar ou condenar a escolha de práticas sexuais, mas explorar a diversidade da sexualidade humana adulta de um grupo de pessoas dentro do contexto da sociedade brasileira contemporânea.


MÉTODO:

Um e-mail foi enviado às várias listas de discussão e classificados postados em websites dirigidos aos praticantes de BDSM consensual e Fetichismo do Brasil e que utilizam a Internet como um meio para a troca e obtenção de informações e contatos com pessoas que partilham das mesmas fantasias sexuais. Explicou-se o caráter exploratório do estudo, o qual seria basicamente conduzido por e-mail, onde a identidade real dos participantes seria preservada. Os interessados deveriam ter mais de 18 anos de idade, não importando sua orientação sexual e estado civil. Aos voluntários foi pedido que entrassem em contato replicando ao e-mail enviado. Cento e onze pessoas de vários estados brasileiros manifestarem interesse em participar. Foi-lhes enviado, então, um questionário abordando questões como: o que os levava a usar a Internet; quais as práticas sexuais em que estavam envolvidos; como e quando se interessaram por atividades sexuais consideradas “diferentes” e como se sentiam em relação a ter prazer com práticas consideradas não convencionais.

Informações sobre a idade, formação religiosa, sexo, estado civil, nível de escolaridade, e orientação sexual, também foram objeto de interesse para a pesquisa. Não foi objetivo do presente estudo, estabelecer critérios diagnósticos da amostra pesquisada nem tampouco descrever em detalhes as práticas sexuais não convencionais.

REVISÃO:

Apesar da crescente evolução observada ao longo dos anos nas ciências humanas e nas áreas tecnológica e científica, a sexualidade ainda é objeto de muita especulação, preconceitos e tabus. Se observarmos as diversas reações da atualidade frente às manifestações sexuais, veremos o quanto tais reações permanecem imutáveis ao longo da história. Embora a “revolução sexual” dos anos sessenta e os inúmeros movimentos objetivando o reconhecimento dos direitos humanos, sobretudo os feministas, tenham mudado o cenário social, a sexualidade continua sendo um enigma para o ser humano e objeto de muitas discussões desde a Antiguidade.

No séc. V, a partir dos grandes Padres da Igreja - Agostinho, Jerônimo e Tomás de Aquino, o cristianismo passa a vincular sexualidade e procriação: o exemplo inquestionável a seguir é a vida "naturalmente heterossexual" dos animais. Toda prática sexual que escapasse a esta norma traria o chamado “estigma negativo do prazer”. Surge a partir de então, uma forma de moralidade que é essencialmente uma moralidade sexual. As práticas “contra a natureza” - consideradas atentado ao pudor, aos bons costumes, e à opinião pública - acarretam severas sanções para que o “normal” seja mantido. Entretanto, a história assim o mostra, tal objetivo nunca foi alcançado: a sexualidade sempre escapou a toda e qualquer tentativa de normatização (Ceccarelli, 2000).

Na segunda metade do século XIX aparece o discurso psiquiátrico contemporâneo que, marcado pela mesma visão moralista, dá continuidade às posições teológicas e jurídicas, trazendo para a ordem médica o que, até então, era do jurídico. Os grandes psicopatólogos da época, dentre eles, Havellock-Ellis (1888) e Kraftt-Ebing (1890), classificaram e etiquetaram as práticas sexuais que escapavam aos ditames morais. Traçou-se um minucioso inventário das sexualidades ditas desviantes, onde novas formas de práticas sexuais, que utilizam o outro para a obtenção de prazer e a finalidade natural da sexualidade – a procriação – é subvertida, são criadas: homossexualismo, voyeurismo, exibicionismo, sadismo, masoquismo, juntando-se à infindável nosografia psiquiátrica da época. É também nesta época que termos que, mais tarde, tornaram-se clássicos, são aí introduzidos: perversão (1882, Charcot e Magna), narcisismo (1888, Havellock-Ellis), auto-erotismo (1899, Havellock-Ellis), sadismo e masoquismo (1890, Krafft-Ebbing) [Ceccarelli, 2000].

No final do Séc. XIX, e de forma ainda mais contundente no início do XX, Sigmund Freud em seu texto mais importante sobre a sexualidade, os "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade" publicado em 1905, sustenta que subordinar a sexualidade à função reprodutora é “um critério demasiadamente limitado”. Na perspectiva freudiana, a sexualidade é contra a natureza, ou seja, em se tratando de sexualidade, não existe uma “natureza humana”. (Ceccarelli, 2000).

Joyce McDougall e o conceito de “Neo-Sexualidade”
A autora contemporânea Joyce McDougall (1997) fez uma importante e inovadora leitura crítica de Freud em relação à perversão. Segundo a perspectiva teórica desta autora, a palavra “perversão”, denota uma conotação depreciativa e em direção ao mal, já que nunca se ouve que alguém foi “pervertido” para o bem. A autora sustenta que além da implicação moralista no uso vernacular da palavra, o atual padrão de classificações psiquiátricas e psicanalíticas é igualmente questionável. Ao se rotular e diagnosticar alguém como “neurótico”, “psicótico”, “psicossomático” ou “perverso”, não se leva em consideração as inumeráveis variações de estrutura psíquica de cada categoria clínica, perdendo-se de vista o aspecto mais notável aspecto dos seres humanos em sua estrutura genética, que é a sua “singularidade” (McDougall, 1997, p 186). Em relação às chamadas sexualidades perversas como o fetichismo e as práticas sadomasoquistas, constata que as mesmas acontecem na qualidade de jogos eróticos nas atividades sexuais de adultos não-perversos, sejam estes heterossexuais ou homossexuais, sendo que tais práticas não despertam conflito, pois não são experienciadas como compulsivas ou como condições exclusivas para o prazer sexual. Já os adultos heterossexuais e homossexuais que só tem roteiros eróticos fetichistas ou sadomasoquistas, para os quais essas práticas sexuais são a única via de acesso às relações sexuais, deve-se tomar o cuidado quanto a desejar que essas pessoas percam essas versões heterodoxas de desejo, simplesmente porque podem ser consideradas sintomáticas. Ao invés de “perversão”, McDougall (1997, p 188) prefere nomeá-las como “neo-sexualidades”. Segundo a autora, o termo “perversão” seria mais apropriado “como um rótulo para atos em que um indivíduo impõe desejos e condições pessoais a alguém que não deseja ser incluído naquele roteiro sexual (como no caso do estupro, do voyeurismo e do exibicionismo) ou seduz um indivíduo não-responsável (como uma criança ou um adulto mentalmente perturbado”).[McDougall, 1997, p 192].

Os Manuais de Saúde Mental e o Projeto ReviseF65 Svein Skeid é um dos responsáveis pelo projeto ReviseF65 ou Projeto CID (www.revisef65.org), o qual tem como objetivo através de um website e um grupo de discussões na Internet de mobilizar grupos SM/Couro/Fetichista e profissionais da área da saúde mental mundial, com o intuito de retirar o diagnóstico psiquiátrico (“parafilias”) do Fetichismo, Transvestismo e Sadomasoquismo, da Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas de Saúde (www.revisef65.org/ICD10.html), publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O diagnóstico de “parafilia” pode servir como justificativa à estigmatização e violência contra as minorias sexuais. Vários relatos de violência contra praticantes do Sadomasoquismo e Fetichismo, podem ser encontrados no website do ReviseF65 (www.revisef65.org). A U.S Leather Leadership Conference relata que de trinta a cinqüenta por cento da população SM sofre discriminação, violência ou perseguição devido a sua orientação sexual. O Projeto CID (ICD) afirma “que estigmatizar minorias através de diagnóstico de sua orientação sexual é tão desrespeitoso como discriminar pessoas por sua raça, etnia ou religião (www.desejosecreto.com.br/revisef65.html). Trata-se sem dúvida de uma proposta legítima em defesa dos direitos humanos das minorias sexuais.

Países como a Dinamarca, em consonância com as necessidades e direitos legítimos das minorias sexuais, retirou totalmente o diagnóstico de sadomasoquismo em 1995 de seus manuais de saúde.

O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais-4a.Edição (DSM-IV, 1995, pp 495), também classifica o Fetichismo, o Sadismo e o Masoquismo Sexual como “parafilias”, onde além de ter fantasias e impulsos sexuais, recorrentes e intensos ou comportamentos envolvendo tais práticas (Critério A), essas fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos devem causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (Critério B).[DSM-IV, 1995, p 495]. Caso o Critério B não seja atendido, as variantes sexuais acima não são consideradas patológicas ou sintomáticas, configurando-se apenas uma variação da sexualidade humana adulta.

Devido à falta de informação, desconhecimento do que se tratam as práticas eróticas consensuais, seus praticantes são erroneamente confundidos com vítimas ou perpetradores de atos coercitivos de violência e abuso sexual.

Conceitos e Práticas BDSM:

As práticas sadomasoquistas consensuais e fetichistas não são facilmente definidas, pois abrangem um leque de comportamentos onde muitos dos praticantes não apreciam todos os papéis e atividades, estando a descrição detalhada de cada prática BDSM e fetichista, fora do âmbito do presente estudo. Focaremos, no entanto, os termos mais gerais.

O termo “BDSM’, que se refere ao universo sadomasoquista como um todo, envolve todos os seus aspectos – dominação, submissão, bondage, disciplina, sadismo e masoquismo, enquanto “SM” significa “sadomasoquismo” (Paschoal, 2002, p 14). Entretanto, a relação entre os dois termos é análoga à distinção entre os termos “homossexual” e “gay” (Moser, 1996, p 24).

Segundo a perspectiva teórica deste autor, “Dominação e Submissão (DS), implica na transferência deliberada do controle psicológico e sexual de um parceiro para o outro, sem que haja necessariamente, elementos de dor física ou humilhação. O termo “Bondage e Disciplina”, “B&D” ou B/D, refere-se às práticas sexuais com variados tipos de imobilização ou restrição física, enquanto “Disciplina” indica a representação de fantasias que se relacionam à punição/castigo, como por ex, a fantasia “professor/estudante”. “Humilhação” refere-se às cenas de “role-play” nas quais o parceiro dominante detém o controle do poder sobre o parceiro submisso, infligindo e ritualizando torturas psicológicas, como insultos verbais de conotação sexual. Em relação aos termos “sadista” e “masoquista”, existe uma conotação mais fisiológica, de natureza sexual, onde as pessoas experimentam sensações de prazer ao dar e/ou receber cuidadosamente controladas sensações de dor, como no caso de levar chineladas ou chicotadas (Moser, 1996, p 25). Já a palavra “leather” é usada na comunidade sadomasoquista por gays e lésbicas (Moser, 1996, p 63).

Outros comportamentos também geralmente incluídos na prática sadomasoquista são o “age-play”, um fetiche no qual exige-se que o parceiro atue como tendo uma idade diferente, algumas vezes mais velho ou mais novo (representando um bebê, por ex.); a feminização forçada ou voluntária dos submissos masculinos que vestem saltos altos, cintas-ligas e vestimentas femininas (crossdressing) e também jogos sexuais que envolvem urinas e excrementos. Paschoal (2002, p 16) sustenta que “cada um desses conceitos tem aspectos pessoais, individuais e únicos, tais como as pessoas que os praticam...Cada um é livre para escolher qual deles prefere e como prefere....Não há como seguir os vários conceitos de forma literal, já que a criatividade humana e as liberdades individuais são o que há de mais precioso no ser humano”.

Com a mesma criatividade, a comunidade BDSM criou o termo “baunilha” (“vanilha”), para se referir às práticas sexuais convencionais que não envolvem nenhum componente SM (Scott, 1997, p 3). A tríade “Sanidade, Segurança e Consensualidade” (Brame G, Brame W & Jacobs, 1993, p 49) é considerada uma norma básica das práticas não convencionais consensuais e jamais pode ser ignorada ou negligenciada. Paschoal (2002, p 22) afirma que a não existência de qualquer um dos aspectos SSC, torna toda e qualquer relação BDSM totalmente inviável.

Por “Consensualidade”, Moser (1996, p 31), entende o acordo voluntário firmado entre os participantes do jogo erótico, no qual os limites de cada participante são honrados. Esclarece que, não se pode chamar o abuso doméstico que ocorre entre um casal de SM, pois o SM é consensual e o abuso imposto a um parceiro não é. Podemos usar como exemplo o intercurso sexual e o estupro, onde o primeiro é consentido e o segundo é imposto sob coação. Portanto, a diferença entre o sadomasoquismo e a verdadeira violência, encontra-se no consentimento informado (“informed consent”) [Moser, 1996, p31]. A “Sanidade” refere-se à conscientização do que os participantes estão fazendo numa cena SM: trata-se de uma fantasia e que não corresponde à realidade. Certas práticas BDSM implicam em riscos consideráveis. Nesse sentido, o conhecimento do parceiro, o estabelecimento de limites e saber os riscos inerentes a cada prática, são fatores importantíssimos para que o jogo erótico BDSM seja seguro e prazeroso. Vale dizer também, que segurança engloba também algumas proibições. Como é extremamente importante que se tenha completa consciência sobre o que se está fazendo, o uso do álcool e de qualquer tipo de droga é severamente desaconselhado antes ou durante a cena ou jogo BDSM (Paschoal, 2002, p 27). Caso algum limite físico ou psicológico seja ultrapassado, o uso da “safeword” ou “palavra de segurança” restabelece os limites da segurança física e emocional dos participantes e o jogo é imediatamente interrompido.(Paschoal, 2002, p 25).

Segundo Brame, G, Brame, W & Jacobs (1993, p 358), a origem da palavra fetish vêm da palavra em português feitiço e consta que foi usada pela primeira vez por exploradores portugueses do séc. XV para descrever figuras sagradas. No seu sentido antropológico o fetiche está ligado à artefatos sagrados investidos de poderes espirituais. Para os fetichistas, o fetiche erótico é o próprio símbolo do divino, podendo excitar e mesmo induzir os seus devotos ao êxtase. Exemplos de fetiches eróticos são encontrados naqueles que admiram um par de sapatos, ao invés do pé que o veste; ou então o próprio pé é considerado extremamente excitante, em detrimento do corpo humano como um todo. Todos os seres humanos são fetichistas em algum grau. Na cultura brasileira, as nádegas são objeto de adoração nacional, enquanto na cultura americana, há uma extrema valorização dos seios. Na China, um pé feminino pequeno é extremamente sexy. Isso demonstra que diferentes culturas elegem seus próprios fetiches. Como Paschoal (2002, p 68) muito bem ilustra, “um fetiche seria uma preferência específica dentro de um universo de possibilidades...o BDSM está mais para uma fantasia repleta de fetiches. Assim como um masoquista prefere (ou tem o fetiche de) receber dor, ou ser torturado exclusivamente com cordas; ou com velas; ou com gelo; ou com todas as alternativas; ou com nenhuma delas. O sádico prefere ( ou tem o fetiche de ) causar dor. Tudo são fetiches”.

No tocante à realidade brasileira, a Internet tornou-se um poderoso veículo para a procura de informações e contatos de pessoas que se interessam pelas práticas eróticas sadomasoquistas e fetichistas, contribuindo largamente para a formação de uma subcultura “virtual” de minorias sexuais. O movimento BDSM brasileiro encontra-se num estágio embrionário, mas crescente, com centenas de websites (vide www.associacaobdsm.com.br) e listas de discussões (www.yahoo.com.br e www.msn.com.br), na tentativa de se formar um movimento agregador que proporcione reconhecimento, visibilidade e contatos fora da realidade “virtual”, seguindo uma tendência internacional proposta pela organização americana “The National Coalition for Sexual Freedom” (NCSF) que luta para garantir direitos iguais nas áreas legal, política e social para os adultos que estão engajados na práticas de expressões sexuais alternativas. Segundo os artigos sobre SM disponibilizados em seu website (www.ncsfreedom.org.), a NCSF esclarece que o Sadomasoquismo não é abuso nem violência doméstica, sendo este último “um padrão de comportamento intencional de intimidação com o objetivo de coagir ou isolar o outro parceiro sem o seu consentimento”(www.ncsfreedom.org/what.htm), opostamente ao que ocorre nas práticas BDSM, onde os parceiros envolvidos concordam sobre tudo o que vai acontecer no jogo ...sempre era mostrado a Mulher Gato em seu esconderijo sentada em uma cadeira tipo trono em um pedestal e seus ajudantes ficavam sentados no chão aos seus pés...às vezes ela dava um jeito de pisar em um ajudante...fetiche puro”.

-Fbond, importador, fetichista bondagista, 31 anos, casado, lembra: “Levo o bondage e o fetichismo extremamente a sério, não sou adepto de nada que provoque dor, mas gosta da sedução aliada à bondage, cinta-liga, roupas insinuantes (mas não vulgares), sou culto....descobri que era fetichista aos 8 anos de idade assistindo um filme do Jerry Lewis e hoje tenho um acervo com mais de 150 fitas do gênero....Considero-me uma pessoa extremamente amiga, por isso acho um absurdo comparações que coloquem um fetichista na casa dos “anormais”. Talvez até haja casos assim, mas não se trata da grande maioria”.

-Al Z, dominador, pós-graduado em análise de sistemas, 38 anos, casado, relata: “Desde pequeno eu apreciava quando via cenas em que apareciam mulheres presas, amarradas ou surradas (normalmente em filmes), mesmo desconhecendo totalmente o sexo... acho que era instintivo.....Despertei totalmente para minhas fantasias há uns cinco ou seis anos atrás quando entrei acidentalmente num site ...na época eu tinha 32 ou 33 anos e esse fato mudou totalmente a minha vida...O bondage e o spanking ( bumbum feminino), me excitam bastante e também outras formas de dominação física e psicológica, como por exemplo, transformar a parceira em uma cadelinha colocando correia e correntinha guia....Meu relacionamento com minha esposa é do tipo “padronizado”, ou seja, segundo ditam as regras religiosas e sociais para um casamento...Ela não sabe das minhas incursões no mundo virtual, nem tampouco que procuro alguém para realizar minhas fantasias no “real”. Sinto-me uma pessoa absolutamente normal....O que penso é que a sociedade é quem realmente tem medo de admitir que quem gosta de BDSM ( dentro do contexto erótico, é claro), é um ser humano normal. As pessoas buscam sempre viver cada vez com mais tesão e o BDSM é apenas mais uma forma alternativa de alcança-lo plenamente. ...Nunca abri o livro da minha vida tanto assim como estou fazendo com você, mas me sinto muito bem, porque isso estava me sufocando demais”.

-J, analista de sistemas, submisso, 32 anos, solteiro: “Sinto-me perfeitamente normal e até porque não privilegiado, por saber explorar a minha sexualidade de uma forma Como podemos perceber na tabela 1, a grande maioria da amostra total (n =111), é composta de heterossexuais, mas cabe a observação de que apenas sete (6,3%) respondentes são do sexo feminino, sendo quatro (4) oficialmente casadas e três (3) solteiras. O número de pessoas com parcerias que possuem e praticam as mesmas fantasias sexuais, (36,1%), foi maior do que o esperado. Interessante salientar que, nas práticas sexuais envolvendo a Submissão e o Masoquismo (43,3%), apenas seis (6), são mulheres e heterossexuais, enquanto que o restante do grupo pertence ao sexo masculino independente de orientação sexual. A religião católica (53,2%) é a que tem o maior número de seguidores. O nível de escolaridade mostra-se elevado, sendo que 70,3% dos respondentes têm curso superior completo e 13,5% são pós-graduados.

CONCLUSÃO:

Abaixo citaremos recortes de alguns relatos para ilustrar a parte qualitativa do estudo, onde os respondentes falam a respeito de como se sentem em relação às suas vivências sexuais e aos tópicos que foram abordados no questionário por eles respondido.

-SS, pós-graduado, fetichista, 35 anos, casado: “Quando tinha aproximadamente 5 anos, lembro-me que tinha tesão em vestir camisolas de cetim, gostava de urinar nelas e sentir o cheiro da urina por vários dias.....Desde criança percebi que tinha desejos “diferentes”, mas só fui entender de fato que esses fetiches não são uma “aberração da natureza”, há erótico, além de serem pessoas muito bem informadas sobre as possíveis conseqüências na troca erótica do jogo de poder. Esclarece ainda que a violência doméstica pode ocorrer em qualquer grupo de pessoas, inclusive entre os que praticam SM, mas com a diferença de que dentro da comunidade sadomasoquista, a violência doméstica não é perdoada e suas vítimas e abusadores são encorajados a procurar ajuda especializada.uns três anos com o advento da Internet....na net, vi, conversei e sei que tem gente com os mesmos gostos”.

- S, administrador de empresas, masoquista, 34 anos, casado, lembra: “Tinha uma brincadeira de policia e ladrão onde as meninas eram sempre da polícia e os meninos ladrões. As meninas corriam, pegavam e prendiam os meninos. Lembro que quando eu era preso sempre pedia para ser amarrado, pois senão fugiria, assim fui sem perceber desenvolvendo meu instinto de submissão ao sexo feminino...Uma fantasia que me marcou muito na infância e na adolescência foi a figura da “Mulher Gato” do seriado Batman.....hoje ao rever com olhos mais experientes dá para perceber uma explicita citação fetichista. A Mulher Gato era linda, aquela roupa em látex, bem justa e colada ao corpo...sempre que capturava os heróis , eles eram amarrados e ficavam aos pés dela diferenciada e muito mais intensa do que a maioria das pessoas. Fico muito feliz por ter capacidade suficiente em entender o meu fetiche e tirar proveito dele de forma sadia, segura e muito peculiar”.

-N, assistente administrativa, bondagista, 26 anos, solteira: “Gosto de ser amarrada e imobilizada completamente, me sentir completamente vulnerável nas mãos do meu parceiro, mas não ficar passiva e sim relutar em estar amarrada, como se estivesse sendo obrigada a estar naquela situação, não aceitar passivamente que o outro me amarre, mas “fugir”, tentar me soltar, mas acabar sendo “vencida” pela força e técnica do meu parceiro...a privação dos sentidos como a visão e a fala....assim os mesmos ficam ainda mais aguçados, mas não saber o que a pessoa vai fazer é uma excitação sem igual... estar amordaçada é uma sensação incrível... Juntar tudo isso é uma sensação inexplicável ... Sinceramente, me sinto mais normal do que as outras pessoas, eu me sinto assumida. Acho que o que não é normal é as pessoas se podarem, ou mesmo viverem um relacionamento de aparências e procurarem fora do relacionamento a realização de suas fantasias...acredito que uma pessoa será completamente feliz quando procurar um relacionamento que lhe complete no todo... difícil, mas acho que mais difícil ainda é viver duas vidas...em uma delas você vai encenar... A sociedade em que vivemos é hipócrita... todos têm suas fantasias, mas para se encaixar no padrão “normal”, ninguém se assume e ainda critica e se escandaliza coma opção do próximo. Acredito que cada um é dono da sua vida e não tem que dar satisfação para ninguém do que gosta ou deixa de gostar dentro de quatro paredes, ou melhor, acho que devemos ser livres para vivenciar nossas fantasias e outras coisas cotidianas também, é claro, respeitando o limite e espaço do outro. Para mim o BDSM é uma forma de prazer, é um mundo vasto com muitas ramificações e cada pessoa escolhe dentro dessas a que lhe dá prazer ...eu escolhi a minha e não me incomoda o fato da sociedade não aceitar ou me achar uma aberração... eu me sinto mais normal que todos, pois sou sincera comigo mesma, me assumo e me aceito assim e isso me faz feliz ...”.

- M.H, dentista, crossdresser, submissa, 39 anos, casado: “Sou casada e minha esposa participa de tudo e me domina há mais de um ano...Como você pode perceber sou uma crossdresser submissa e como tal me porto. Sou uma sissy da minha esposa. Me visto sempre que posso feminina, tenho todos os afazeres da casa e sou uma mulher para minha esposa. Sou totalmente passiva e ela é ativa ....freqüentemente apanho e sou humilhada, o que adoro...fui descobrir que o que eu sentia e fazia estava em total sintonia com o universo BDSM, mais ou menos aos 18 anos. Mas sem saber que era uma postura BDSM, desde que me conheço por gente ...aos 6 ou 7 anos de idade...Adorava brincar de casinha com meus primos e primas e sempre eu era a empregadinha, sempre trabalhando e humilhada. Este era o papel que eu escolhia. Isto me dava prazer e no meu ponto de vista encaixa no BDSM...Aos 10 anos gozei a primeira vez quando pus uma saia de uma tia...gozei sem ao menos me tocar. Desde então sempre fui fora dos padrões , mas aos 16 anos notei que era “diferente”. Seria eu gay? Mas como ser gay se não me interessava e nunca me interessei por homens? Mas se não era gay, por que me fantasiava no papel feminino? ...As pessoas infelizmente vivem num padrão proposto hipócritamente por esta sociedade machista e repressora em que vivemos.”

- ZZ, assistente de faturamento, podólatra submisso, 34 anos, casado: “O meu relacionamento com minha esposa é o melhor possível em todos os sentidos. Ela sabe de minha atração por pezinhos, tanto é que começou a trata-los bem melhor e de vez em quando, quando transamos, ela me dá umas boas chineladas e eu gosto muito. Desde que não prejudique física ou emocionalmente ninguém e ambos estejam de acordo, vale tudo na prática sexual entre um casal. Sobre como a sociedade vê e julga os meus atos, isso para mim não tem a mínima relevância”.

- JP, advogado, sádico, 38 anos, casado: “Sinto-me um privilegiado por ter certos interesses sexuais diferentes da maioria das pessoas e sempre conseguir realizá-los. O BDSM é muito complexo, pois existem diferentes níveis de SM e me incluo em um intermediário...algumas práticas me soam indigestas, como por exemplo a coprofagia, humilhação em público, perfurações, cortes ou queimaduras, mas como diz o ditado, “ se feito com o consentimento de ambos o problema é deles...”.

Podemos sugerir que as pessoas que fizeram parte da amostra pesquisada, longe de representar a totalidade de indivíduos com práticas sexuais não convencionais na sociedade brasileira, sentem-se em sintonia com suas diversas preferências sexuais, as quais são experienciadas como prazeirosas , sentindo-se também privilegiadas por terem uma sexualidade “diferenciada ” daqueles que vêem no sexo e nos papéis convencionais , a única forma de expressão para o amor, intimidade e para a realização de suas fantasias sexuais. Não podemos afirmar pelos dados colhidos e relatados, que os praticantes de BDSM e Fetichismo que participaram desse estudo, possam ser chamados de “parafílicos”. Preferimos descreve-los como praticantes esclarecidos, bem informados, e conscientes daquilo que consideramos como variações na expressão da complexa sexualidade humana adulta.

É muito clara a importância do uso da Internet na formação de uma subcultura BDSM consensual no Brasil, não só para a comunicação, obtenção de informações entre praticantes afins, mas também como um mecanismo de inclusão social, reunindo milhares de pessoas que compartilham das mesmas fantasias e práticas sexuais não convencionais. Esse estudo foi possível, justamente pela facilidade de acesso, anonimato e a facilidade que a Internet proporciona para todos os seus usuários. Cooper et al (2000, p 6), sustenta que a Internet oferece a oportunidade para a formação de comunidades virtuais, onde indivíduos isolados e discriminados, como por exemplo, gays e lésbicas, podem se comunicar entre si sobre assuntos sexuais que sejam de interesse dessa comunidade.

Ao se darem conta do número de pessoas “iguais”, a sensação de isolamento e de ser “diferente” diminui ou desaparece e um novo sentido de “pertinência” (“belonging”) e identidade surge para aqueles que, anteriormente ao advento da Internet, sentiam-se “anormais” e “fora do padrão” por não terem com quem compartilhar e dividir seus anseios e suas fantasias devido ao preconceito e estigma em relação a tudo o que se desvia da “norma” ou “padrão”. Podemos sugerir que a Internet pode servir como um “salva-vidas” virtual” , pois ao dar aos praticantes de BDSM, fetichismo e outras minorias sexuais, a oportunidade de “sair do armário”, proporciona um ambiente onde não há repressão, preconceito e onde tudo é possível no mundo da fantasia, dando também a oportunidade para que essas fantasias saiam da “virtualidade” e possam ser concretizadas no mundo “real”. Segundo Bader (2002, p 259), o porque de algumas pessoas “atuarem” ( “act out”) suas fantasias e outras não, não encontra uma resposta fácil. Ainda segundo a perspectiva teórica deste autor, é mais fácil compreender porque uma pessoa desenvolve determinada fantasia ou prática sexual, mas raramente pode-se afirmar o porquê ela “atuou” ou simplesmente a manteve a nível de fantasia .

O mundo tem passado por mudanças tecnológicas quase impossíveis de serem acompanhadas na área da concepção da vida humana: o bebê de “proveta” e a inseminação artificial são práticas corriqueiras antes impossíveis de serem imaginadas e concretizadas, como o é agora, a possibilidade da clonagem de seres humanos em laboratórios. O novo assusta, provoca medos e inseguranças e sentimentos de desproteção. Mas é inegável que mudanças nas mentalidades estão a caminho nesse novo milênio. A tradição judaico-cristã que forma a base religiosa da sociedade brasileira há séculos, mostra-se anacrônica perante os fatos mencionados e pelo o que ainda está por vir. A tão propagada vida “naturalmente heterossexual” dos animais, que serviu como justificativa para o encarceramento do desejo sexual e do prazer pela instituições religiosas, começa a cair por terra com as últimas pesquisas científicas sobre a vida sexual dos animais, as quais demonstram que as “práticas contra a natureza”, são parte também da sexualidade animal (www.subversions.com/french/pages/science/animals.html).

Para onde vamos, já que os conceitos e normas psico-sociais, religiosas e culturais, que definiam a noção de “normalidade” , não mais se aplicam à sociedade pluralista que se nos apresenta? A nossa tradicional ética sexual seguida há centenas de anos, não mais se adequai às mudanças sócio-culturais e aos novos desafios do Século XXI. Vivemos numa sociedade plural, onde começam a se tornar visíveis as mais diversas expressões da sexualidade humana adulta, as quais querem ser aceitas, reconhecidas e legitimizadas. Expressões sexuais que demonstram maturidade, respeito e consciência entre aqueles que as praticam.Cabe salientar que, por se sentirem confortáveis e em egossintonia com suas práticas sexuais, tenha sido este o motivo que tenha levado esses indivíduos a participarem desse estudo A linha que separa as práticas consensuais BDSM e as práticas sexuais ditas “perversas” “é muito tênue. Mas é importante que se saiba distinguir umas das outras.

E com base nesta distinção, o presente estudo demonstrou que, apesar de limitado no seu alcance, é um direito humano legítimo ser “diferente” da maioria e conseqüentemente, ter essa “diferença” respeitada e aceita pelos demais.

1718 - Um pouco de Historia !!!

Miss Theresa Berkley

A RAINHA DO FLAGELO

Você, por acaso, já ouviu falar na Madame Theresa Berkley? Bem, se não ouviu, vou lhe contar algo interessante sobre ela.
Se já ouviu, paciência; vou contar assim mesmo.

Theresa Berkley foi dona de um bordel no número 28 da Charlotte Street, Portland Place, bairro de Londres. Mas sua casa de entretenimento masculino e feminino não era como outra qualquer do ramo.

Em 1718, quando foi publicado, na Inglaterra, anonimamente, um livro chamado Tratado sobre o Uso do Açoite. Embora o título tenha um caráter um tanto científico, o conteúdo continha um teor claramente pornográfico. Rapidamente, o tratado se espalhou pela Europa e virou moda com o nome de “vício inglês”. O que equivalia dizer que ninguém gostava mais de apanhar na cama do que um inglês. É aí que entra madame Berkley. Determinada a atuar na área do entretenimento masculino e tendo ciência do gosto de seus conterrâneos, montou no mencionado endereço, um bordel especializado em tortura e flagelação e, assim, tornou-se a pioneira do sadomasoquismo.

Theresa era uma amante perfeita dessa arte, por isso não ficou só na tradicional coleira e dolorido chicotinho. Sua casa era realmente um local de tortura. Para satisfazer os clientes, ela aprimorou e criou numerosos instrumentos de tortura. Usava diversos tipos de chicotes, de vários tamanhos com nove correias de couro, conhecido como gato-de-nove-rabos, porque tinham nas pontas, unhas de metal, semelhantes a dos felinos. Varas para o açoite, mantidas na água, de modo que estivessem sempre verdes e flexíveis. Cinta feita de exclusivo couro grosso com pregos de uma polegada, que perfuravam a pele mais dura, e deixavam flagelos que levavam um bom tempo para cicatrizarem. Vários tipos de escovas; como, por exemplo, a escova de furze (uma sempre-viva espinhosa), de urtigas. Além de tudo, na primavera de 1828, uma obra-prima de tortura foi inventada para sua casa: o Cavalo de Berkley.

A descrição desse aparelho, responsável pelos gritos dos clientes de Madame, vem de um nobre inglês vitoriano, aficionado em sacanagens, chamado Henry Spencer Ashbee: “era uma espécie de pau-de-arara móvel que podia ser girado tanto na vertical como na horizontal. Assim, sem muito esforço, a Madame, ou as moças e rapazes que trabalhavam para ela, infligiam a dor exatamente no ponto desejado pelo cliente”. E, por incrível que pareça, conclui Henry, “muitos nobres exibiam com orgulho as marcas e cicatrizes deixadas pelas torturas a que se submeteram”. O cavalo original está, até hoje, exposto na Sociedade Real de Artes, e foi doado pelo Doutor Vance, o testamenteiro dela.

Assim, no bordel de Madame Theresa Berkley, quem ia com bastante dinheiro, poderia ser açoitado, chicoteado, fustigado, agulhado, pendurado, escovado, perfurado, ou seja, torturado até ficar satisfeito.

Segundo o texto abaixo, extraído da correspondência de um devoto apaixonado pela flagelação, e profundo conhecedor do assunto, naquela época, as mulheres eram muito mais apaixonadas em brandir a vara e vice-versa, que os homens:

"Em minha experiência eu conheci pessoalmente várias senhoras da nobreza que tiveram uma paixão extraordinária e uma severidade impiedosa em administrar a vara. Eu conheci a esposa de um clérigo, jovem e bonito, que levou o gosto ao excesso. Eu soube que a pessoa quando bebia tornava-se vulgar e se permitia ser açoitada até que o fundo dela ficasse totalmente em carne viva e a vara saturada com sangue; ela durante a flagelação gritava: 'mais forte! mais forte! ' e blasfemava se assim não fizessem. Dum estabelecimento em Londres, do qual eu suprimo o nome, vinham vinte meninas que passavam por todas as fases do chicote até se tornarem professoras.”

Numa noite de setembro de 1836, a famosa casa de Miss Berkley estava silenciosa. Nem um grito, nem uma visita, madame Berkley havia falecido. Foi uma morte súbita e inesperada, pois era um tanto jovem. Durante oito anos ela não só governou seu bordel com maestria, como foi uma completa mulher de negócio, acumulou durante esse tempo uma considerável soma de dinheiro...

Nessa mesma noite, chega ao número 28 da Rua Charlotte, apressado e aparentando estar nervoso, o Dr. Vance, responsável pelo testamento. “Onde está o cofre de Theresa”? Pergunta para um criado. Era nesse cofre que Theresa guardava todas as cartas, nomes e recibos dos clientes de seu bordel. O doutor, sem nenhum remorso, queimou toda a papelada.

Conta-se que algumas das figuras (masculinas e femininas), de maior destaque da nobreza britânica eram clientes exclusivas do local. Como, por exemplo, o rei da Inglaterra, George IV. Portanto, a história da Inglaterra poderia ser outra, se o doutor não tivesse ateado fogo aos papéis.

Logo após a morte de Theresa, seu irmão, missionário durante 30 anos na Austrália, chegou à Inglaterra, mas quando ele tomou conhecimento de que sua irmã lhe havia deixado a mais famosa casa de flagelação da Inglaterra, como herança, renunciou a propriedade e voltou imediatamente para a Austrália. Na falta do herdeiro a propriedade passou ao Dr Vance; o médico e testamenteiro dela; mas ele também recusou administrar o bordel, e tudo ficou para a coroa inglesa.

Por essa época, já havia em Londres diversas casas especializadas em flagelação, como as da senhora Collett e da senhora Emma Lee. No entanto, em matéria de dor como êxtase, Miss Berkley foi, indubitavelmente, a rainha de sua profissão, ninguém a superava.

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

Musica em minha vida para tocar a tua!

"A vida:... uma aventura obscena de tão lúcida..." Hilda Hist

"És um dos deuses mais lindos...Tempo tempo tempo tempo..." Caetano Veloso

"SOU METAL, RAIO, RELÂMPAGO E TROVÃO..." Renato Russo

"SOU METAL, RAIO, RELÂMPAGO E TROVÃO..." Renato Russo
RAINHA VICTORIA CATHARINA

"De seguir o viajante pousou no telhado, exausta, a lua." Yeda P. Bernis

"Falo a língua dos loucos, porque não conheço a mórbida coerência dos lúcidos" Fernando Veríssimo

"O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós."