
I . COISAS QUE FAZEM O CORAÇÃO
BATER MAIS FORTE:
Um planador conduzido segundo a feição do vento
O dorso desnudo de um bebê adormecido
O olhar de um cão, em direção à mãe que amamenta o bebê
O olhar de uma criança, em direção àquilo que ela não compreende
Tâmaras secas sobre um prato de cristal
Aquele amigo distante que retorna
Deitar-se só, num quarto deliciosamente perfumado de incenso
O clarão da lua atrás da nuvem.
JANEIRO
II . COISAS QUE TRAZEM UMA DOCE LEMBRANÇA DO PASSADO:
Um resto de perfume no lenço em que não enxugamos aquelas lágrimas
Rosas secas, nas páginas amarelas do livro
Objetos que serviam para a festa das bonecas
O bilhete que um dia escrevemos para nossos pais
Um dia de chuva, em que nos entediamos
A pena de um falcão que voou rumo a Lisboa
Uma árvore que distribui as folhas pelos ramos de modo que nenhuma escape do sol.
FEVEREIRO
III . COISAS RARAS
Um amigo que suporta nossa alegria com a mesma firmeza com que suporta nossa dor
Não sujar de tinta o livro em que se copiam romances, trechos de poesia, pensamentos
Manter a dignidade em uma discussão, mesmo quando os argumentos parecem nos abandonar
O encontro do amor, dez anos depois, depois de desvios, desvãos, desencontros.
MARÇO
IV . COISAS QUE PARECEM DESPERTAR A MELANCOLIA:
Uma foto amarelecida da mãe, ao fundo da gaveta
Um resto de leite na xícara velha, em que bebemos as primeiras palavras
O gotejar da chuva no telhado
A voz do pai, envelhecida e rouca
Uma canção antiga, subitamente rememorada
A névoa sobre os tetos da cidade.
ABRIL
V . COISAS DE QUE NÃO NOS ARREPENDEMOS:
A não-resposta exata à agressão gratuita
Aquele objeto inútil, que compramos por puro deleite
O amor merecido, na hora certa.
MAIO
VI . COISAS QUE PERDEM QUANDO SÃO PINTADAS:
A polpa fresca da fruta
As asas de um anjo
As flores da cerejeira
A luz do sol atrás dos ramos O branco da folha de papel
Qualquer cena fulgor
JUNHO
VII . COISAS QUE ENCHEM DE ANGUSTIA:
Observar a marcha dos cavalos
Amigos doentes, ou subitamente transtornados
Uma criança que chora, impedida de falar
Quando uma pessoa que detestamos se aproxima de nós
Um belo livro, que não acaba nunca.
JULHO
VIII . COISAS EM QUE NÃO SE PODE CONFIAR:
No homem que esquece facilmente seus amores
No poeta ávido por sucesso
Nas pessoas que falam muito alto, tentando nos convencer
Na amiga que quer ser exatamente como a outra.
AGOSTO
IX . COISAS QUE SÃO DISTANTES, AINDA QUE PRÓXIMAS:
Namorados que não dizem nada sobre a aparência das namoradas
Relações entre irmãos que não se amam
O intervalo entre o último dia do ano e o primeiro dia do ano seguinte
Filhos a quem os pais negaram o seu amor.
SETEMBRO
X . COISAS QUE SÃO PRÓXIMAS, AINDA QUE DISTANTES:
O paraíso
A rota de um barco
A amiga que vive em Paris
Os olhares trocados entre um homem e uma mulher
OUTUBRO
XI . COISAS QUE CAEM DO CÉU:
Balões
Papagaios
Manhãs ensolaradas
Chuvas finas
Tempestades
Neve
O título de uma história
A graça divina.
NOVEMBRO
XII . COISAS DIFÍCEIS DE DIZER:
Que não queremos mais comer
Que o amor acabou
“Por favor, não me abandone”
Adeus.
DEZEMBRO
Luiz Edmundo Alves
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