E tu a dizeres uma frase banal e eu a rir, não da frase mas de ti e de mim, e da cumplicidade que dava sentido a palavras sem sentido algum, que não o de estar junto, e rir, e ser feliz. E o café arrefecia na chávena esperando o fim do riso que não chegava, porque te encostavas a mim e pousavas a tua mão na minha, que eu fingia esquecida na mesa mas que só aguardava a tua, e os teus dedos subiam pelo meu braço e nele escreviam as horas futuras, e li, e aceitei horas e futuro, não afastando o braço, pousando a mão na tua, assinando contigo o compromisso que me escrevias na pele. E o café já frio na chávena, e o café cheio de gente que falava, e falava, e que não ouvíamos. Só das nossas bocas caladas ouvíamos as palavras, eu olhava os teus lábios e sabia o que não dizias, e tu lias as respostas na minha boca, e tocavas o meu corpo no pedaço de pele que apertavas na tua mão. E o empregado de balcão aceitando pedidos, e as pessoas saindo e entrando e olhando mesas, e ninguém nos via, porque o meu pé tinha tocado o teu, porque a minha perna tinha encontrado a tua, e éramos já caminho e passos. Não nos tocámos na rua, não trocámos palavras, só caminhámos juntos com passos que sabíamos, e tu sorrias para mim em sinais e passadeiras que tínhamos de atravessar, e eu sorria para ti na sombra das ruas que já não eram escuras, na sombra das árvores que baixavam ramos e soltavam folhas sobre nós, celebrando a união que era a nossa. E aceleraste os passos com pressa de chegar, e eu corri para te acompanhar e chegar contigo, e subir escadas, e abrir portas, a minha mão já na tua mão, a minha boca que já não aguentava esperas pedindo a tua. E fechámos a porta com as bocas coladas e as mãos suadas de desejo e pressa, e caímos no chão onde terminaram os passos, onde começaram os abraços, o meu corpo princípio e finalidade do teu, e murmurámos as palavras antes caladas selando o compromisso escrito na pele. E despi a razão, e despi o pudor, e despi a roupa, a tua e a minha, e quis ficar nua como quem acaba de nascer, para que as tuas mãos me agarrassem, me recebessem, e me apertassem e guardassem no mundo que era o teu corpo. E dissolvi-me em ternura na tua descoberta, e apertei-te tremendo desfazendo-me nas tuas coxas... E renasci inteira nos teus olhos, e descobri-me, e descobri a vida, e o motivo de viver.
Encandescente
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