EU... Eu, eu mesmo... Eu, cheia de todos os cansaços, Quantos o mundo pode dar. — Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeita? Incógnita? Divina? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu... (Fernando Pessoa)

13 de março de 2007

Poema dos Dons


POEMA DOS DONS
Quero dar graças ao Divino
Labirinto dos efeitos e das causas
Pela diversidade das criaturas
Que formam este singular universo,
Pela razão, que não cessará de sonhar
Com um plano do labirinto,
Pelo rosto de Helena e a perseverança de Ulisses,
Pelo amor que nos deixa ver os outros
Tal como os vê a divindade,
Pelo firme diamante e pela água solta,
Pela álgebra, palácio de precisos cristais,
Pelas místicas moedas de Ângelus Silesius,
Por Schopenhauer,
Que talvez tenha decifrado o universo,
Pelo fulgor do fogo
Que nenhum ser humano pode olhar sem um assombro antigo,
Pela carnaúba, o cedro e o sândalo,
Pelo pão e pelo sal,
Pelo mistério da rosa,
Que prodiga cor e que não a vê,
Por certas vésperas e dias de 1955,
Pelos rijos tropeiros que na planura
Arreiam os animais e a aurora,
Pelas manhãs de Montevidéu,
Pela arte da amizade,
Pelo último dia de Sócrates,
Pelas palavras que num crepúsculo foram ditas
De uma cruz a outra cruz,
Por aquele sonho do Islã que abarcou Mil noites e uma noite,
Por aquele outro sonho do inferno,
Da torre do fogo que purifica
E das estrelas gloriosas,
Por Swedenborg,
Que conversava com os anjos nas ruas de Londres,
Pelos rios secretos e imemoriais
Que convergem em mim,
Pelo idioma que, faz séculos, falei na Nortúmbria,
Pela espada e pela harpa dos saxões,
Pelo mar, que é um deserto resplandecente
E um número de coisas que não sabemos,
Pela música verbal da Inglaterra,
Pela música verbal da Alemanha,
Pelo ouro, que resplende nos versos,
Pelo épico inverno,
Pelo título de um livro que não li:
Gesta Dei per Francos,
Por Verlaine, inocente como os pássaros,
Pelo prisma de cristal e o pêndulo de bronze,
Pelas listras do tigre,
Pelas altas torres de São Francisco e da Ilha de Manhattan,
Pela manhã no Texas,
Por aquele sevilhano que redigiu a Epístola Moral
E cujo nome, como ele teria preferido, ignoramos,
Por Sêneca e Lucano, de Córdoba,
Que antes do espanhol escreveram
Toda a literatura espanhola,
Pelo jogo de xadrez, geométrico e bizarro,
Pela tartaruga de Zenão e o mapa de Royce,
Pelo cheiro medicinal dos eucaliptos,
Pela linguagem, que pode simular a sapiência,
Pelo esquecimento, que anula ou modifica o passado,
Pelo hábito,
Que nos repete e confirma como um espelho,
Pela manhã, que nos depara a ilusão de um começo,
Pela noite, sua treva e sua astronomia,
Pela coragem e a felicidade dos outros,
Pela pátria, percebida nos jasmins
Ou numa espada velha,
Por Whitman e Francisco de Assis, que já escreveram o poema,
Pelo fato de que o poema é inesgotável
E se confunde com a soma das criaturas
E não chegará jamais ao último verso E varia como os homens,
Por Frances Haslam, que pediu perdão a seus filhos
Por morrer tão devagar,
Pelos minutos que precedem o sono,
Pelo sono e a morte,
Esses dois tesouros ocultos,
Pelos íntimos dons que não enumero,
Pela música, misteriosa forma do tempo.
Jorge Luis Borges

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"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

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