EU... Eu, eu mesmo... Eu, cheia de todos os cansaços, Quantos o mundo pode dar. — Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeita? Incógnita? Divina? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu... (Fernando Pessoa)

5 de março de 2012

Todo herói tem seus dilemas.


Me sinto ameaçada pelo mundo. Uma ameaça constante e perturbadora. Por isso sou dura, muitas vezes inflexível e implacável. Sinto que se o vento bater forte eu vou quebrar, por isso não vergo. Travo, resisto até a morte. Bato de volta no vento pra ele deixar de ser besta. Sei que é inútil. Sei que preciso relaxar, para minha própria sanidade, para minha própria sobrevivência. Sei de tanta coisa que não serve pra nada. Mas como vou abrir a minha guarda assim sem mais nem menos, esperando o direto no meu queixo. Como vou relaxar e gozar se a ameaça está sempre à espreita? Como, se eu sinto que um mínimo momento de fraqueza pode abrir as portas do meu castelo e me destruir por dentro? Estou cercado por cavalos de Tróia. Isso se reflete na minha atitude, nas minhas relações, nos meus gestos. Sou uma pessoa dura. Acredito que minha linguagem corporal expressa essa inflexibilidade com mais presteza que as palavras. Isso afasta as pessoas, afasta os familiares, afasta o amor,afasta a paixão, afasta tudo. Como diferenciar uma ameaça de um carinho? Como saber se a mão que chega vem para esmurrar ou para afagar? Na dúvida, eu impeço a mão de me tocar. Às vezes de forma áspera, como que uma mensagem subliminar: não volte mais aqui, não se atreva. Quem consegue uma aproximação comigo o faz à maneira dos adestradores de cães raivosos. Vêm com calma. Tentam ganhar a confiança lentamente com gestos nunca bruscos. Tentando comprar a confiança com pequenos pedaços de carne. Mas a maioria das pessoas não tem esta paciência, por isso correm o risco de serem mordidas pelo cão que tentam alimentar. Aliás, mesmo aqueles que acreditam ter adestrado o animal, correm risco constante de levar uma abocanhada. Ao meu lado, ninguém está totalmente seguro. Tentar transpassar minhas defesas, meu campo de força, minha carapaça é uma missão inglória. Sou uma pessoa blindada. Sou a mulher de ferro. Tenho uma capacidade de proteção e de ataque invejável, mas não me comunico com o mundo exterior e tenho meus movimentos prejudicados pelo peso e pela falta de flexibilidade da armadura. É isso que eu sou, uma heroína solitária. Minhas pretensas boas intenções se perdem na minha luta contra o mal. Uma luta que brutaliza aos poucos, que desfigura lentamente as feições humanas. Não sei se algum dia conseguirei tirar meu traje protetor e encarar o vento e o sol e as pessoas de peito aberto. Todo herói tem seus dilemas. Herói bem resolvido não é herói. Talvez eu não queira ser herói. Mas só talvez. Talvez o que eu queira de verdade ainda não foi desvendado. Talvez nunca seja. Certamente nunca será.

Henrique Szklo


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"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

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"SOU METAL, RAIO, RELÂMPAGO E TROVÃO..." Renato Russo

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