EU... Eu, eu mesmo... Eu, cheia de todos os cansaços, Quantos o mundo pode dar. — Eu... Afinal tudo, porque tudo é eu, E até as estrelas, ao que parece, Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças... Que crianças não sei... Eu... Imperfeita? Incógnita? Divina? Não sei... Eu... Tive um passado? Sem dúvida... Tenho um presente? Sem dúvida... Terei um futuro? Sem dúvida... A vida que pare de aqui a pouco... Mas eu, eu... Eu sou eu, Eu fico eu, Eu... (Fernando Pessoa)

2 de dezembro de 2008

Boca

Boca Carnuda


Entrando num açougue recém inaugurado e próximo da minha casa, deparei-me com uma cena rodriguiana, mas ao vivo e a cores.
O sujeito que personificava o atendente era um moreno tipo amante latino, cabelo preto liso. Ele é imenso, forte e bonito e com uma maneira de atender aos clientes sui generis e muito carismática. Homens e mulheres ouvem o que todo cliente gosta: “estou a seu dispor, escolha o que quiser, estou às suas ordens”.
Mas nem todo cliente tem as ancas daquela morena de aparelho nos dentes que logo depois de mim entrou no açougue. Em meio a carnes, sangue e opulência, ela é recepcionada pelo latino extrovertido e galante com um sincero "estou a seu dispor, morena. Escolha o que for de seu agrado". Ela assim o fez, como se pudesse desobedecer a uma ordem tão direta e macia. A morena opulenta e faceira, sentindo-se a própria, se achando, fez suas escolhas, embora a ordem de chegada ainda não a beneficiasse, mas todos os clientes não ousavam retrucar diante de tal imagem, como se de alguma maneira todos pudessem adivinhar a cena que estava por vir.
Ela escolheu seu músculo e prontamente foi atendida, escolheu seu filé, no que se seguiu outro pedido e outro e outro... O moço galante fazia-lhe todos os desejos e por fim ela se saciou, pagou e se dirigiu à porta de saída.
Todos os clientes, ainda em alerta, emudeceram e aguardavam. O cheiro de carne é forte e suas cores mais ainda e prontas a serem degustadas, elas, languidamente, estendiam-se em fileiras à espera.
O atendente, com um olhar que dizia mais que toda sua verborréia sedutora, perguntou mais uma vez à morena que ameaçava ir pra nunca mais: "tem certeza que não quer mais nada? Posso imaginar que você quer algo mais? E eu posso te dar. É só pedir". E, num movimento que parecia impossível, ela, mais próxima de atravessar a rua que a faca da carne, volveu toda a sua pessoa e todo o volume dos seus quadris para dirigir-se de volta ao balcão, onde debruçou-se e respondeu:
- Quero sua boca!!
Como num pregão, diante do ultimato e da força do martelo, ele sentencia, após esmurrar o balcão:
- Pois bem, esteja me esperando. Fecho às 8 e meia.
Não pense que em minha cabeça gritos de ovação não explodiram. Sim os gritos estavam, lá. Mas ninguém pareceu ouvi-los e a fila pôde continuar.

Paula Cunha

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"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..." Catetano Veloso

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"SOU METAL, RAIO, RELÂMPAGO E TROVÃO..." Renato Russo

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